Ai Senhor das Furnas, Que escuro vai dentro de nós, Rezar o terço ao fim da tarde, Só p'ra espantar a solidão, E rogar a Deus que nos guarde, Confiar-lhe o destino na mão. Que adianta saber as marés, Os frutos e as sementeiras, Tratar por tu os ofícios, Entender o suão e os animais, Falar o dialecto da terra, Conhecer-lhe o corpo pelos sinais. E do resto entender mal, Não ver os vultos furtivos, Que nos tramam por trás da luz. Ai Senhor das Furnas, Que escuro vai dentro de nós, A gente morre logo ao nascer, Com olhos rasos de lezíria, De boca em boca passando o saber, Com os provérbios que ficam na gíria. De que nos vale esta pureza, Sem ler fica-se pederneira, Agita-se a solidão cá no fundo, Fica-se sentado à soleira, A ouvir os ruídos do mundo, E a entende-los à nossa maneira. Carregar a superstição, De ser pequeno ser ninguém, Mas não quebrar a tradição, Que nos nossos avós já vem.