Episódio dois Uma noite diferente, a lua não se via Coberta de nevoeiro, a aldeia parecia estranhamente calma Ao longe, podia ver-se uma sombra Caminhando, taciturna e solitária Dário, o nosso ilustre personagem Era quem ditava o destino da silhueta Que apontava para o Bifes antes de seguir numa outra direção Enquanto arranco as asas duma mosca e depois as patas E a guardo no frasco junto com as outras Ou enquanto enveneno um cão de uma qualquer entrada Dando-lhe água com cianeto pelas grades do portão Enquanto parto montras e risco carros Acendo cigarros e atiro pró chão as pontas Ou enquanto pondero se deveria ou não voltar p'ra casa E rumo noutra direcção E este mundo é tão bonito como uma criança morta É perfeito demais para ser verdade É uma junção genial de maldade e positivismo Com o qual não fico muito à vontade Eu sinto-me tão seguro aqui Eu sinto-me tão seguro aqui Eu sinto-me tão seguro aqui Eu sinto-me tão maduro Este mundo é tão bonito como um velho acamado Era simplesmente tudo o que alguém poderia querer É uma soma do que não deveria ter sido dito E de tudo aquilo que ficou por dizer Tão aleatoriamente engraçado Imagina-te consciente a observar o tecto Não te parece estar a ficar mais amarelado E este mundo é Não sei explicar bem, mas estou agradecido por fazer parte É tão bom poder fazer mal aos outros Ver de olhos brilhantes as enormes consequências Que posso ajudar a causar com estes pequenos actos É interessante ver-te chorar Emocionante fingir que te vou soltar e prazeroso sentir-me culpado É reconfortante arrepiar-me, sair por um qualquer caminho sinuoso Voltar p'ra casa e ter o jantar preparado Obrigado mãe, 'tava muito bom Vou só arrumar a cozinha e vou p'ra o quarto Vou p'ra o quarto, vou p'ra o quarto, vou p'ra o quarto ♪ Saí pela janela e ao fechá-la devagar Ouviu-se o som seco de madeira a relinchar Antes que ela desse por ela, pus o pé no cano E, em pouco tempo, icei-me de maneira a entrar Peguei nas aguarelas e nos lápis num fragmento de momentos E sentei-me na cadeira a desenhar Era um jardim laranja com árvores azuis Chovia agora mais forte que há pouco Naquela noite escura e demasiado calma Apetecia-me vê-lo de novo Ouvia a televisão na sala, um uivo constante Os pingos nos vidros e a minha mãe a andar dum lado p'ra o outro Eu não poderia esperar muito Imaginar tranquilizava-me, claro, mas não me deixava indisposto Fui-me entretendo a olhar pró frasco Lá dentro algumas ainda se mexiam Revelavam apenas algum desconforto Absorto no pensamento e no que meus olhos viam Nem dei pelo passar das horas É a uma em ponto que finalmente me apronto para sair E pelo vento já me encontro lá fora Passei a ponte e no café do Ismael Eu vi o Carlos com a dona Celina à porta Entrei, com um gesto pedi uma aguardente P'ra ver se ficava mais quente E cumprimentei os brothers Saí do Bifes solitário e caminhei pelo meio da estrada Sem conseguir parar de pensar naquilo Dei asas ao imaginário enquanto não chegava Senti no bolso a chave do asilo Na minha mente eu dei-te golpes suavemente Absorvi a tua loucura e o teu sofrimento Não era suficiente Aproximava-se da mata um tal indivíduo, lenta e calmamente Vos direi, escusadamente, que eu e ele somos o mesmo Nas árvores os ramos abanavam-se com o vento Cerrada a noite com azuis a desvanecer no preto Também eu desvanecia por entre um nevoeiro denso Numa imagem exagerada onde tudo era um complemento Cansado, caminhava incessantemente Após alguns minutos vejo o asilo finalmente a minha frente Talvez pensasses que hoje eu não voltava Mas decidi fazer-te uma surpresa Entrei, estava escuro e silencioso Fechei a porta, pousei as chaves na mesa Assobiei a mesma música melancólica de sempre P'ra que me ouvisses e eu a ti E estranhamente não te ouvi Temia agora que sem eu ter tido O privilégio de ter visto, tivesses partido P'ra esse lugar tão longe e tão perto daqui Tremia de ansiedade enquanto descia as escadas da cave Onde acabo por ver uma janela aberta Fui em direcção a ela, espreitei a mais bela paisagem que haveria Se dela fizesses parte ♪ Eu vi-te rastejar, mas sabia ser a minha imaginativa mente Mentirosa, presunçosa, egoísta, dispersa, nada modesta A raiva a acumular-se trazia um alívio Que me confortava minimamente Tamanha desilusão é a única sensação boa que me resta Ao aperceber-me do sucedido resignado finalmente e realmente Dobrava o lábio, cerrava os dentes Esbugalhava os olhos e franzia a testa Decididamente, não há mais nada que me contente Ou faça ficar aqui dentro Zangado, caminho naquela noite encoberta pela floresta Enquanto parto galhos e lhes arranco as folhas E pelo caminho vou a bater em coisas Ou enquanto esmago minhocas no chão E sinto o estalar da carapaça de um caracol na minha mão Enquanto penso noutras maldades loucas E intimido com o olhar duas pessoas Ou enquanto pondero se deveria ou não voltar p'ra casa E rumo nessa direcção