O escuro é muito grande O tempo é muito frio O mar é muito grosso O vento é muito rijo As águas são cruzadas As vagas levantadas Eh bruto corta-me esses mastros Aguenta a popa e vira a proa Ajusta-me esses calabretes Baldeia fazendas à toa Descarrega esse convés Saltam braços Voam pés Vomitam pragas num estardalhaço Os corpos atirados em pedaços Dão à costa Pela encosta Choramos a nossa perdição Dando muitas bofetadas Em nós próprios sim senhor Metidos num charco de água Gritamos uma reza ao salvador O escuro Salve-se agora quem puder Por entre feridos e aflitos Nas costas banhadas em sangue Mordem atabões e mosquitos Gritam mudos Ouvem surdos Em trejeitos absurdos Um marinheiro de cabeça toda aberta C'os miolos todos podres quase inerte Num boeiro Ai que cheiro E abraçado a mim logo expirou Com provas de bom cristão O que muito nos consolou Não ter de o levar às costas Enterrado Abençoado lá ficou O escuro Estando nós em grande perigo Num enorme desvario Nadaram dois marinheiros E a pouco mais de meio rio Arremeteram conta eles Dois lagartos muito grandes Que os esfarraparam todos em bocados Com a qual vista ficámos a**ombrados Ai socorro Ai que eu morro Livra que nos fomos logo a pique E subitamente ao fundo Com um negro pela mão Tão pasmado e caladinho Mas lá por dentro a cantar o cantochão