Primeiro passo, mudei de casa, quero ser cremado Por isso escolho a minha última morada, não tem muito espaço Mas eu não preciso de espaço pra nada, preciso de gavetas pra facas Para serem afiadas depois da maca, congelado com carne de vaca Uns dizem que a carne é fraca, mas a minha é dura como uma chapa Não consigo furá-la com nada, acho que vou amaciá-la com cachaça Traça, por que essa merda tem muita água, traça Dá-lhe potencia com mais vinhaça Suicídio nada, é o coronário de uma estratégia Numa data prévia, engendrada e planeada A execução do plano vê-se à vista desarmada Em cada mortalha enrolada, no fundo de casa garrafa No meio de cada praça, onde regurgita a noitada Cada tentativa frustrada de arranjar uma namorada Em cada piada falhada, em cada visita à feira da ladra Para comprar mais uma navalha, a canalha Enfim chegou a data, agradeço as conversas sórdidas Em que alguém ensinava a cortar os pulsos de forma adequada Já vejo o tonel da chegada, sinto-me leve, estou a flutuar Tenho a mente relaxada, para entrar na glória sagrada E a mente desligou, mas agora está acordada Vi muito distorcida a figura do meu anjo da guarda Mas alguma está errada, isto afinal é um gajo de batas Isto não é uma nuvem, é uma maca Queres que eu desenhe na minha cachaça ♪ Just act normal I'll ask you to do the same, but I'm afraid that ship has sailed Ainda cá estou, este corpo obstinado E mesmo estado com uma tosa grave Ele não dá parte, orgulhoso Ele não tem uma pinga de pudor Comporta-se como um louco Que actua sem dar valor, aquilo que pensam os outros Mas eu oiço os pensamentos a pairarem sobre mim Eu sou culpado deste estado, eu não tinha que ser assim Mas fui e os remorsos e dói-me até as ossos A única coisa que posso fazer è tomar a dose e desaparecer Quero viajar no tempo, partir para outra era Meto-me num avião japonês na segunda guerra Parece que estou numa areia movediça, sadistica Engole o meu corpo, mas deixa a minha cabeça à vista Não devo servir pra nada, nem pra servir pra nada Mal empregado soro, mal empregada bata Mal empregados ventiladores Mal empregados monitores Mal empregados doutores, com esses olhares reprovadores Agora penso nas cartas de despedida que escrevi Foi difícil chegar a um texto que mostrasse o que senti E esse pretesto tinha uma caixa que enchi Com rascunhos e gatafunhos que só hoje abri Reparei entre os papeis e havia uma carta de amor Foi escrita à tanto tempo, já nem me lembro do teor Acho que ela pr'aquela miúda, ela nem sequer era bela Quando sair desta cama, vou telefonar pra ela